Pascal Quignard e os prendedores de roupa
Hoje, dia 23 de maio de 2011, segunda-feira, começou a quinta Assises Internationales du Roman em Lyon. A grande entrevista do dia era com Pascal Quignard, um dos autores contemporâneos mais reconhecidos da França. E para conhecê-lo deve-se ler muito, pois ele escreveu muito e sobre diversos temas. Em Dernier Royaume temos uma riqueza de saberes que solicitam uma profusão de saberes dos mais estranhos: filologia, zoologia, biologia, etnologia (mesmo a dos animais!), sociologia, história, música, num desejo em que não se possa mais distinguir o saber da ficção. Tous les matins du monde foi o livro que o revelou para o grande público em 1991. Em 2002 ele recebeu o Prix Goncourt pelo primeiro tomo de seu romance Dernier Royaume, uma obra de 6 tomos, monumental conjunto de fragmentos. Segundo o autor esse é "um pequeno esforço de um pensamento de tudo" e durante a entrevista ele nos diz rindo "então isso que escrevi era um romance?" pois o prêmio Goncourt é dado para o melhor romance do ano. E daí a entrevistadora, Raphaëlle Rérolle, jornalista do Le monde lhe pergunta o que é um romance. Sua resposta é a citação de três concepções de diferentes autores, no geral a ideia é de que o romance é um lixão onde se acumulam coisas que entram em contato podendo se transformar. É um local de encontro do diverso, é a forma que engole todas as outras formas utilizando-se delas para renovar-se. Mas o interessante é o que ele procura num livro ao escrevê-lo, "Je cherche à écrire un livre où je songe en lisant", escrever um livro em que ele sonhe lendo-o. Ele admira escritores como Stendhal, que misturam pensamento, vida, ficção e saberes como se tratasse de uma coisa só, ele não quer mais pensar o mundo na forma da divisão dos saberes: o texto e o pensamento devem ser expressão de um mesmo desejo interno.
Talvez daí a coerência que ele busca na música, pois antes de tudo ele é músico, especialista em violão celo. E daí vêm os prendedores de roupa. Cada extrato musical o inspira para um livro, uma passagem e um capítulo, para escutar o que ele escreve, ele toca a peça que o inspira, caso haja supressões a serem feitas no livro, ele as faz na música também, assim ele tem consciência daquilo que escreve. E todas as partituras estão presas por prendedores. Na lógica do livro.
Ele leu para o público e tocou piano, para explicar seu método, as pessoas se divertiram.
Por exemplo, para o seu primeiro romance, Carus, ele tocou a peça de Haydn, trio in E Poco Adagio XV 22. O livro trata de um violoncelista depressivo que é salvo por seus amigos, e ele responde à entrevistadora que o que o fez escrever um romance foi uma depressão nervosa. Ele afirma que o romance e o conto são um local de encontro do sórdido de nossa existência. Ele escreveu um livro sobre o sórdido, Sordidissimes. Nos diz ainda que um conto basta em si, ao terminar de ler um já temos uma história para pensar, não precisamos ler mais nada, enquanto o romance nasce a partir do momento em que as pessoas verbais querem conjugar-se com o personagem e a história.
Tivemos também a ocasião de escutar a leitura de seu romance a ser lançado em outubro pelas edições Gallimard, Les solidarités mystérieuses inspirado no belo Nocturne en ut mineur de Chopin. Vimos como o autor se deleitava ao ouvir a canção, esta gravada e não tocada por ele. Depois a emoçãpo de ler as palavras que saíram dessa música, lembro-me do começo em que ele diz que a mulher não tem ciúmes de Pierre por causa de Claire. E vai nos explicando quem são esses personagens, terminando com o presente que Pierre oferece à Claire e a deixa emocionada com o seu desejo de oferecer-lhe a verdade simbolizada naquele objeto. Com a leitura de outra passagem do romance ele finalizou essa entrevista. Autografou livros, inclusive os meus, e agora me preparo para ler um segundo livro seu.
O primeiro que li era sobre La Bruyère (1627-1704), Une gêne technique à l'égard des fragments, muito bom ensaio que anuncia sua ideia sobre o fragmentário a partir da obra do suposto pai da prosa em fragmentos. Les Caractères ou les moeurs de ce siècle é uma obra composta por 1120 fragmentos separados por pés-de-mosca, de acordo com a segunda edição, de 1696. No livro ele discorre sobre a natureza fascinante do fragmento como forma de escritura e expressão do pensamento, definindo la Bruyère como um anúncio daquilo que ele entende por contemporâneo, "celui qui met tout le temps ensemble", aquele que a todo momento coloca tudo junto. É o que vemos por exemplo na já citada Dernier Royaume, onde o pensamento dá nascimento às pausas narrativas no relato, passando por derivas imaginárias, como o amor entre as rãs.
Esse foi o primeiro dia das Assises, no sábado farei uma entrevista com Rodrigo Fresán, na semana colocarei algo sobe ele.
Comentários
Postar um comentário