ONU, veganismo e feminismo



Eu participei de um concurso organizado pela ONU/ELS para participar do Fórum Mundial da Juventude. Fui escolhida por meu ensaio e integro o grupo dos 70 universitários que vão à Nova York discutir a agenda da ONU de 2015. O tema era o desenvolvimento sustentável em conexão com o título do concurso : Várias línguas, um único mundo.

Eu defendi nesse texto o que podemos considerar alternativas às alternativas. Sou quase a única entre meus conhecidos que apoia o veganismo. A maioria me vê como limitada, louca, mas a história social dos feitos humanos me motiva a pensar que um dia nossa relação com a comida vai mudar. Criança já foi vista como força de trabalho, a infância não passa de uma invenção recente, a mulher grávida não tinha nenhum privilégio e os negros eram bons escravos. Eu sei que há vários problemas a serem resolvidos e cada um se dedica aos combates que acredita. Para mim é totalmente coerente defender o direito dos oprimidos: mulheres, homossexuais, animais... Essa redação foi enquadrada em um tema e com número limitado de palavras. Foi escrita em francês, mas traduzi para que as pessoas que conheço e que não falam francês possam ler.  




Em volta da mesa, a volta ao mundo 

Introdução

Em volta da mesa nós realizamos a volta ao mundo. A berinjela na França tem um gosto diferente da berinjela na China, entretanto é o mesmo legume. Diversidade de línguas, diversidade de culturas e um vínculo comum, a comida. O prazer de comer bem é talvez um traço que conecta as culturas.
Os alimentos têm o poder de aproximar as mais diversas culturas, de as representar e de as apresentar. Numa troca de receitas, não são somente os temperos que variam, mas o modo de ver o mundo. Se é verdade que na França e na China a berinjela não é a mesma, é também verdade que no espaço da anglofonia ou da francofonia os sabores mudam. Os alimentos, assim como as línguas, possuem inúmeras diversidades. Para mantê-las e desfrutá-las, a receita deve se basear no respeito.
É em volta da mesa que as trocas ocorrem no espaço da família, da escola, das amizades e do trabalho. Divide-se a comida e trocam-se ideias. A chave do desenvolvimento sustentável estaria em todas as relações que se criam em torno da mesa : da comida à cultura, o compartilhamento e o respeito estão presentes nesse momento de prazer.


Comida e desenvolvimento sustentável


Alimentar o planeta é um desafio para os anos vindouros. Esse é o tema da Exposição Universal de Milão de 2015. Esse evento, que deu à Paris no início do século anterior o seu cartão postal, a Torre Eiffel, põe em evidência o poder do homem de transformar a natureza. Esse ano trata-se de uma oportunidade de repensar o nosso uso do planeta.
Há muito tempo já provamos que podemos lutar contra a natureza : matamos insetos com agrotóxicos, produzimos morangos no inverno e fazemos brotar laranjas no deserto. Somos capazes de acelerar o desenvolvimento dos frangos para poder matá-los mais rápido ( eles vivem de 30 a 40 dias) e as vacas produzem leite de maneira industrial
(hoje em dia uma vaca produz em média 8 400 litros de leite por ano, ou seja, três vezes mais que em 1950[1]). Os animais que exploramos são uma espécie de Frankenstein, nós temos a técnica, mas não a ética para justificar nossas ações contra eles.


Enquanto jogamos fora mais alimentos do que consumimos[2], como podemos explicar que uma grande parte do mundo sofra ainda as vicissitudes da fome? Sem contar a má-nutrição, que está ligada aos maus hábitos alimentares. O ato de alimentar-se nos grandes centros urbanos ou nas cidades modernas deixou de ser um ritual e passou a ser uma competição de velocidade, como prova a grande quantidade de comida industrializada servida nas cadeias de restaurante fast food.
Ainda temos tempo para mudar e a solução está ao nosso alcance : comer o que é produzido a cada estação, sem utilização de pesticidas e comprando dos pequenos produtores locais. Ao consumir os produtos locais ajudamos a construir uma rede de confiança e estabilidade. Com isso, a economia local se desenvolve, assim como a troca entre os homens e o respeito ao meio ambiente. Isso implica também em menos transportes e menos poluição. As propriedades familiares “equivalem a  40 %  da população ativa mundial. É a forma de agricultura mais comum nos países em desenvolvimento assim como nos países desenvolvidos”[3]. Mais do que um ato pelo bem-estar, é uma ação positiva que favorece o desenvolvimento das sociedades, da economia e da renovação da natureza.
A natureza segue um ciclo que deve-se respeitar. Privilegiar o local é uma maneira de recuperar os vegetais que foram rejeitados pela indústria da alimentação, o que traz mais variedades à nossa mesa. E isso pode ser também uma solução para o problema da fome no mundo: mais do que a poluição gerada pela produção de carne no mundo e a quantidade de água gasta para tal, essa prática desvia toneladas de cereais para alimentar o gado, quando esses cerais poderiam ser destinados diretamente aos países onde a fome ainda persiste.

Proteção ambiental, defesa do direito das mulheres e a arte de viver juntos

          
  A questão do desenvolvimento sustentável é intimamente ligada à questão das mulheres. A sociedade patriarcal produziu um desnivelamento entre o direito dos homens e o direito das mulheres. Calar as mulheres e retirar o seu poder de ação é um ato contra a natureza. Tomemos como exemplo Hindou Oumarou Ibrahim, mulher originária da comunidade nômade Mbororo no Tchad et coordenadora da associação das mulheres nômade peules. Convidada para falar numa conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas em Paris, ela pôs em evidência o problema da opressão das mulheres e argumentou em favor da necessidade de lhes dar espaço para contribuir com a questão do clima. Como ela explica :

No mundo rural, nos grupos nômades, as mulheres são o motor da gestão dos recursos e da proteção ambiental, porque suas vidas dependem diretamente disso. No núcleo da comunidade, as mulheres são encarregadas em cozinhar aquilo que lhes oferece a natureza. Por isso elas buscam sempre sua proteção: assim os animais podem ter um bom pasto, produzir um bom leite, que em seguida pode ser vendido no Mercado. As mulheres peules conhecem perfeitamente as terras e estão no melhor lugar para testemunhar o fenômeno do aquecimento global.[4].

            Esse é apensas um exemplo, que poderia ser multiplicado em diversos povos do mundo. Para a agenda da ONU pós-2015 deveríamos nos perguntar como colocar em proeminência as políticas em favor das mulheres para que possamos desenvolver e melhorar as sociedades. Nós devemos aprender uma nova arte do viver juntos, respeitar a diversidade e assim ganhar com o que cada um pode nos oferecer. Homem ou mulher, independentemente de sua orientação sexual,  devem se permitir compartilhar e dividir o poder.

Nosso dever com a água

Outra questão importante que deve ser levantada se quisermos continuar a dividir a mesa e a aproveitar a troca de alimentos e culturas é a questão da água. Mais e mais os grandes grupos privados buscam nos fazer acreditar que a privatização da água é o meio mais eficaz de a gerir e distribuir. Na África do Sul, um cartão pré-pago foi implementado numa comunidade para dar acesso a água e mostrar que é um bem que deve ser pago. Esse tipo de abuso e exploração contra a população favorece apenas os grandes grupos privados e está criando uma verdadeira guerra fria. Temos que agir em favor do direito básico de acesso à água potável. É dever de cada Estado lutar por seu povo e evitar essa apropriação catastrófica da água pelo setor privado.

Rio+20, as realizações e os desafios por vir

A Rio+20 pode e deve ser o primeiro passo em direção à construção de uma nova vontade política, do reconhecimento das mazelas dos arranjos políticos e institucionais em prática – que buscam validar um sistema em crise de legitimidade e que, além do mais, coloca o planeta em perigo. O mundo precisa dividir mais a riqueza do que produzi-la. Passamos mais de um século a explorar a natureza e o trabalho do homem em nome do crescimento econômico. Como já observou Fatima Mello :

É preciso perguntar por que continuam a ser menosprezados sistemas de produção como a agroecologia, a economia solidária, os sistemas agro-florestais das populações tradicionais em seus territórios, as tecnologias sociais que visam a socialização e apropriação coletiva do conhecimento, contribuindo para a ideia de bens comuns. Tais inovações já comprovaram que são capazes de produzir sem emitir carbono; que fortalecem direitos, reduzem desigualdades e alimentam a população sem envenená-la; que são verdadeiramente sustentáveis política, econômica, social, ambiental e culturalmente[5].

O desejo da mudança vem sobretudo das mobilizações populares que fazem pressão para que os projetos em construção na ONU, por exemplo, tornem-se um compromisso dos Estados e não somente um exercício de demagogia.

A língua alimenta os debates

As soluções para o desenvolvimento sustentável são plurais, assim como as línguas. Temos que aprender a conhecê-las não somente na sua estrutura, mas vê-las se realizar em diferentes culturas. Cada sociedade tem uma especificidade que deve ser respeitada. Assim como a língua é permeável e híbrida, assim são as soluções para o desenvolvimento sustentável.
Pelo alimento dividimos o prazer de comer, esse prazer que fala várias línguas e que se nota de diversas maneiras. Se agirmos em pequena escala podemos transformar uma totalidade, se dividirmos nossas experiências e receitas, experimentaremos diferentes berinjelas e provaremos novos temperos. Temos que alimentar as trocas, em todas as línguas, em torno de uma mesa.




[1] Segundo o site dedicado à proteção da causa animal L214, http://www.l214.com/vaches/elevage-vaches-laitieres.
[2] Para maiores informações : http://www.consoglobe.com/qui-jette-le-plus-de-nourriture-en-france-et-dans-le-monde-cg  ou seguir o site www.planetoscope.com
[3]http://madagascar.cirad.fr/actualites/agricultures_familiales_nourrir_le_monde_preserver_la_planete
[4] Entretien à lire sur le site http://information.tv5monde.com/terriennes/tchad-les-femmes-peules-au-coeur-de-la-lutte-contre-le-changement-climatique-25552
[5] http://outraspalavras.net/posts/a-conferencia-rio20-e-suas-polemicas/

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