se houvesse o remorso de serapião

O segundo livro de valter hugo mãe que li foi o segundo escrito pelo autor, em 2006: “o remorso de baltasar serapião”. Nesse livro o uso das minúsculas é mais efetivo, criando a rusticidade do ambiente e a emenda entre fala e pensamento dos personagens. Narrado por baltasar serapião, um dos “sargas”, nome da vaca da família, a historia é de leitura trabalhosa pelos temas abordados, por sua forma e sua linguagem.   
A historia não é datada, mas a contracapa do livro nos diz que se passa em uma idade média brutal e miserável. Eu dispensaria essa datação, deixaria o espaço e o tempo se construírem de acordo como o repertório de lugares e conhecimentos do leitor. A historia não necessita de datação, justamente por isso o autor não o faz. Ele dá indícios pelos personagens do “senhor” e de “el-rei”, entretanto podem ser apenas metáforas de um modo de poder já tão antigo e repetido. Veremos ao longo do livro como a condição de vida dos personagens não sofreram alteração em alguns lugares ao longo dos anos. A mentalidade não evoluiu, a maior vítima de tudo isso, as mulheres.



Em primeiro lugar, a vaca e a mãe da família têm dispensados quase o mesmo tratamento, sendo os filhos considerados pelo vilarejo como filhos da vaca e a mãe um ser quase inferior a ela. O pai sempre se dedicou e teve mais amores e preocupações pela vaca. Além do mais, a identificação da família pelo nome da vaca é sinal disso.
Baltasar, nosso personagem principal e narrador da historia, conta-nos a historia de sucesso e terror pela qual passou a partir do seu casamento. Escolheu a moça mais bela, casou-se com ela, mas pelas contingências da vida feudal, o senhor exercia sobre ela um seu direito de marido. Abusada pelo senhor, ela será desfigurada pelo marido como forma de punição de suas traições. A história se desenrola nesse pesar miserável e injusto, até o remorso impossível de sentir ao se chegar a uma condição praticamente inumana de vida, decorrente da ignorância.
Na historia estão os limites máximos e incompreensíveis do amor (ou talvez isso seja a nossa impotência frente ao papel social a desempenhar). Não é compreensível a submissão feminina aos maus-tratos mortais provindos da educação dada pelos seus maridos depois do casamento. ( No próximo comentário de livro, falarei sobre o de Mia Couto, “O outro pé da sereia”,em que uma indiana, em 1560, diz que ser viúva é uma forma de liberdade, pois em sua terra o casamento é uma forma de escravidão. Temos aí um eco com a crítica dispensada por mãe). O mais cruel é que a historia se repete até hoje. Ignorância, rusticidade e miséria são temas tratados com maestria pelo autor. Sem dúvida um dos melhores atuais. 

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