Mundialização e Catástrofe


No dia 28 de maio de 2011 estive presente nas AIR para duas conferências além da entrevista que fiz com o escritor argentino Rodrigo Fresán. As duas mesas-redondas tinham temas que se encadeavam: Mundialização: vertigem do tempo e do espaço e A catástofe.
A primeira mesa era composta por uma escritora francesa, Maylis de Kerangal, que escreveu Naissance d’um pont para ilustrar a construção de um símbolo da mundialização: uma gigantesca pote suspensa é o preâmbulo da mutação de uma pequena cidade norte-americana em uma Dubai do terceiro milênio. A epopéia da técnica é permeada pela história de trabalhadores de todo o mundo que vieram construir esse engenho da domesticação do espaço. Outro convidado foi o físico Étienne Klein, um dos membros do projeto do acelerador de partículas que escreveu o livro Discours sur l’origine de l’univers onde discute as grandes questões da física, sensibilizando o leitor sobre a grande busca da cosmologia “o começo, essa questão sem fim”. O terceiro membro é o sociólogo e filósofo alemão Harmut Rosa, que escreveu Accéleration, onde ele explica como a aceleração, experiência maior da modernidade, transformou a temporalidade nos indivíduos.
A grande questão que permeia o debate é o progresso. Discutiu-se que a pós-modernidade ou a modernidade tardia não acredita mais nessa noção de maneira positiva (mas a literatura fantástica do século XIX já não questionava essa noção?) e troca então a palavra por inovação. Aí sim, se falamos em inovação no lugar de progresso estamos mudando a aceleração das coisas. Inovação realmente é a palavra que parece reger o mundo, principalmente o da informática ao que todos nós estamos conectados. Mas a inovação e a velocidade estão também nos transportes: desde o aciente com o concorde não se tentou mais acelerar os meios de transporte aéreos para passageiros comerciais. O TGV, em 1981, quando foi lançado, tinha o seguinte slogan: “Prenez le temps d’aller vite” e até hoje nós tomamos o tempo para ir rápido, sempre com o rosto tranquilo de saber que essa é a maneira de viajar mais rápida, tranquilos em estarmos na última inovação e não com a cara de cansaço e impaciência que estaríamos dentro de um ônibus, por exemplo. A aceleração é então ligada ao bem-estar e à liberdade, mas também pode ser uma barreira para a felicidade ao chegarmos em um estado em que sempre vamos querer ir mais rápido. Está aí a ambivalência que já havia na noção do progresso, de não podermos mais nos controlar, de não sermos mais sujeitos, mas objetos levados para trás, pelo medo, pela angústia de sabermos que há sempre alguém mais rápido que nós. Somos dependentes dos objetos que nos circundam, o celular, o computador, o iphone, todos esses microsistemas que armazenam nossos pequenos detalhes cotidianos e sem os quais não sabemos mais nos guiar.
Por isso o sociólogo alemão nos propôs a ideia de que a aceleração é uma nova forma de totalitarismo, porque não podemos nos eximir a esse movimento. As crianças desde antes de nascer devem ser rápidas e eficazes, escutam música ainda no ventre, devem preencher um repertório de “a-fazeres” e “a-prenderes”, tudo isto influenciando em sua subjetividade. Ao final, somos impedidos de ter sonhos que autodeterminamos. No lugar disso, há somente desejos de futuro: estágios, viagens,... Nada mais é regido pelo simples poder de sonhar, o futuro deve ser prático, palpável e veloz. Rapidamente palpável.
Há a ioga como tentativa de resistência, há o talebã que nos propõe a vida de volta ao século VII, petrificados no tempo, uma sociedade reacionária, há outras formas de desacelerar e daí a questão daqueles que querem evitar essa aceleração, no desejo de outra experiência de mundo. E essa outra experiência pode vir do velho sonho de outras civilizações e culturas que possuem o eco dessa experiência de viver o mundo como caixa de ressonâncias. Por isso construímos pontes, mas na maior parte das vezes esse contato foi destrutor e contaminador. Teríamos que repensar por exemplo nosso contato com os índios. O que nos separa deles fundamentalmente é a ciência da maneira pensada por Galileu e praticada até hoje: essa ciência tenta escapar e transcender a natureza, enquanto os índios, em sua humanidade, incluem a natureza, não há um hiato entre homem e natureza, mas sim um diálogo íntimo de respeito ao seu tempo. Não querem dominar para acelerar, mas dominar para melhor conviver. Domesticar as plantas na agricultura, cercar os animais ou partir para a pesca respeitando um tempo para que o ciclo se transforme. Nosso mundo é de um presente contínuo, enquanto que o dos índios é um ciclo. Maylis nos lembra que o romance é o lugar da duração, a pontuação e o tempo verbal jogam com essa velocidade, o tempo presente é o mais enigmático e difícil de classificar na escrita, ele é o agora ou a eternidade. Nossas decisões sobre o que fazer com a nossa invenção talvez tenham que entrar em diálogo com essas culturas que não praticam a aceleração. Por isso a segunda via proposta no debate é a catástrofe, pois é mais fácil imaginar um evento catastrófico que pensar um outro sistema para viver. O nosso mundo atual não tem projeto de civilização, o futuro é impossível de definir, fazemos a história atual sem sabermos qual história estamos fazendo. A catástrofe substitui a palavra revolução, o futuro aparece como imagem crível e repressiva . Seria pelo fim do petróleo, catástrofe natural, por exemplo, que poderíamos desacelerar e chegar a outra coisa?
E na outra mesa redonda, o escritor Rodrigo Fresán

nos diz que a catástrofe é um impulso da natureza humana, é um efeito literário utilizado desde sempre, aparece na Bíblia, na Odisséia, é um grande disparador narrativo e recurso ficcional. Todo escritor é um contrabandista, um alien, um traficante de ficção com desejo destrutor: já dizia Kurt Vonnegut que o desafio do escritor é de destruir o mundo, descrever uma cena de sexo, o momento em que nos apaixonamos, momentos catástrofes, não numa vontade apocalíptica, mas num desafio. Por isso, deixo o texto lido por Fresán para encerrar esse pequeno esboço daquilo que foi o debate de sábado a noite em Lyon.
veja aqui o vídeo de Fresán feito por mim:


Effets spéciaux, affects spéciaux
LE MONDE DES LIVRES | 19.05.11 | 15h57 • Mis à jour le 19.05.11 | 18h05

UN - J'écris ceci au mois de mars, tandis que sur mon téléviseur déferle encore et toujours la vague géante d'images d'un tsunami oriental et qu'au fond fume le feu radioactif d'une centrale atomique en difficulté. Allez donc savoir comment et où nous serons quand je lirai ce texte - que je lis à présent, au mois de mai. A Lyon je suppose. A une table ronde rectangulaire sur la nature de la catastrophe. Mais, bien sûr, il se peut aussi que rien de tout cela n'arrive. Que le Japon soit le premier domino poussant un autre domino qui en poussera à son tour un autre, et ainsi de suite, comme au tout début, jusqu'à ce que nous flottions, changés en poussière d'étoiles.

DEUX - Car, en vérité, le certificat de décès de l'Apocalypse est déjà implicite dans l'acte de naissance de la Genèse. Ce qui commence devra nécessairement prendre fin. Sur la surface de cette planète que nous ne cessons de fouetter de notre présence, nous sommes probablement la seule espèce à en avoir conscience. Hormis dans les films de l'usine Disney et dérivés, les animaux ne semblent pas connaître ces problèmes et, paradoxalement, leur instinct de survie est cependant bien plus développé que celui des humains. Tout paraît donc indiquer que le jour de la Grande Catastrophe, le seul spécimen qui ne sera pas disponible pour monter dans l'Arche, le Vaisseau spatial, le Télétransporteur, ou descendre dans des refuges hermétiques situés dans les entrailles de la Terre, sera aussi le seul qui sache construire des canots de survie. (...)

TROIS - De là aussi notre fascination aussi (in)humaine pour l'effet spécial. L'affect spécial qui nous incite à réduire la vitesse afin de mieux apprécier un accident de la route ou les séquences de destruction massive et digitalisée des films de Roland Emmerich où la Maison Blanche vole en éclats, une patte de Godzilla écrase le piéton de service, la Californie est engloutie dans l'océan dont elle a un jour surgi. (...)

Pour ce qui me concerne, j'ai toujours aimé briser, détruire des choses. Dans mon premier livre, Histoire argentine, j'ai anéanti le pays où je suis né. Dans le dernier, Le Fond du ciel, je propose plusieurs versions de la fin du monde en concluant sur une qui, si nous continuons ainsi, me semble la plus probable : la saturation électrique de l'air que nous respirons, provoquée par l'usage d'une multiplicité de téléphones mobiles, iPod, iPad, Blackberry, etc. Si l'on me pose la question, si mon avis vous intéresse, je peux presque vous garantir que tous, nous mourrons en même temps, électrocutés.

QUATRE - En dehors de tout cela, mars poursuit son cours pendant que j'écris ces lignes, et une chose est claire, c'est que nous sommes condamnés. Si ce n'est pas pour aujourd'hui, c'est pour demain. Il ne sert à rien de nous montrer la patience résignée et la discipline des Japonais, qui continuent d'aller travailler comme si de rien n'était, ou les touristes fuyant massivement la Terre du Champignon Naissant ou encore les Californiens qui se précipitent au drugstore pour vider les stocks de pastilles d'iode parce que The End s'annonce de l'autre côté du Pacifique. Il est tout aussi inutile de remplir l'espace informatif de clips avec des images de vieux films de monstres japonais, du Syndrome chinois, du Jour d'après ou d'Atomic Café, à la lueur de l'onde de choc de la grande bombe ou du vent paranoïaque qui soufflait sur l'Ère Reagan. Il suffit de regarder la quantité de gens qui s'immobilisent pour envoyer des messages ou taper des imbécillités au pied des escaliers mécaniques ou dans l'encadrement de portes, empêchant ceux qui sont derrière eux de passer. (...)

CINQ - Idée pour une publicité d'iPad : l'énorme patte de Godzilla écrase un gars qui ne court pas, ne crie pas, ne regarde pas en l'air en levant les bras au ciel car il est très occupé à écrire sur Twitter que Godzilla va l'écraser.

SIX - Idée pour une courte nouvelle de science-fiction. Un homme invente la machine à remonter le temps. Sa première excursion a lieu le soir du 6 avril 1912, quand le côté du Titanic heurte un iceberg. L'homme dîne merveilleusement, n'avertit personne, passe un moment sur le pont, filme le big crack avec son petit téléphone et regagne le présent. Bien sûr, il met sa vidéo sur YouTube. Quelques heures plus tard, l'homme se rend à Dallas, Texas, et se retrouve dans la matinée splendide du 22 novembre 1963. Maintenant que j'y pense, cette histoire ressemble à une nouvelle de Kilgore Trout, écrivain catastrophiste de science-fiction créé par Kurt Vonnegut, qui me manque de plus en plus. Vonnegut est mort en 2007 et c'était un grand maître du Jugement dernier. Dans ses romans et ses nouvelles, il se plaisait souvent à détruire notre planète et le faisait mieux que personne. Dans une interview, il a déclaré qu'aucun écrivain ne pouvait se considérer comme un auteur "véritable et sérieux" s'il n'avait pas au moins une fois couché sur le papier un holocauste aux proportions cosmiques.

Je conclus ces pages en rendant hommage à sa mémoire et à son oeuvre à laquelle je dois tant. Qu'il repose en paix, où qu'il soit, pendant que je relis encore et toujours ses livres puissamment unplugged, dans lesquels il nous raconte comment tout prendra fin sans qu'il lui soit nécessaire d'attendre que cela arrive pour le filmer et dire ensuite, pendant que défilent les crédits du THE END, combien de visites et de comments il a reçus.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

12 Castelos perto de Paris (para ir de transporte público)

Os museus de arte africana da França parte 1

O velho caso do ministro que desde 2006 entalou na grana