O velho caso do ministro que desde 2006 entalou na grana


Não se pode deixar de pensar nesse extrato de "La vie et demie" do já falecido escritor congolês Sony Labou Tansi para rir um pouco de mais um escândalo abalando as bases fortes do nosso governo nacional. Nesse romance Tansi cria uma fábula para ilustrar o absurdo das ditaduras que se seguiram após o fim do colonialismo. Nessa passagem que traduzi, o médico, antes de ser morto pelo "Guia Providencial", lembra-se de seu percurso até chegar ao poder: de um simples sábio das tribos que estavam ao lado da cidade à ministro da Saúde local. Chegando ao poder, ele é instruído pelos outros companheiros: como se deve viver, o que se deve fazer para sempre obter os 20% destinados a encher o bolso ou mesmo como "fatigar/ cansar" os números para que eles sejam maiores à medida em que o seu poder e seu tempo no poder aumente.


O homem pensava naquele bom velho tempo onde o predecessor do Guia Providencial, o presidente Oscario de Chiaboulata o tinha tornado ministro da saúde pública. Era aquela época divertida onde ele não sabia como isso acontecia. Ele havia sido servido pela bela curiosidade tribal. Rapidamente, seu amigo Chavouala da Educação nacional lhe ensinou a obter as trinta e oito astúcias de um ministério. “Sua situação é paga. Você deve saber se virar...”
As estradas iam em três direções, todas: as mulheres, o vinho e o dinheiro. Tinha-se que ser muito idiota para procurar em outro lugar. Não fazer como todos é a prova de que se é um cretino. “... Você verá: as coisas não são muitas para fazer de você um homem rico, respeitado e temido. Porque, de fato, no sistema em que estamos, se não somos temidos, não somos nada. E em tudo isso, o mais simples é a grana. A grana vem lá de cima. Você deve simplesmente abrir as mãos. No início você cria mercados: medicamentos, construções, equipamentos, missões. Um ministro está formado – você deve conhecer essa regra do jogo -, um ministro é formado por vinte porcento das despesas de seu ministério. Se você tiver pulso firme, você pode cansar o número a trinta, ou mesmo quarenta por cento. Como você está na Saúde, comece pelo pequeno golpe da pintura. Você escolhe uma cor alegre, você solta um decreto: a cor branca para todos os locais sanitários. Você ganha milhões. Você coloca suas mãos entre os milhões e a pintura para ficar com os vinte porcento. Depois você começa as reformas: isso é sempre custoso para uma jovem nação e os números são fáceis para cansar. Você passará aos panfletos, aos quadros publicitários: por exemplo, você escreve em todo o país que o mosquito é um inimigo do povo. Você ganhará facilmente oitocentos milhões. Se você tiver uma mão ágil, você...”


Em seguida, pensando em seu passado, lembra-se do ministro da educação que lhe conta que iniciou com a conta bancária negativa, até o momento em que assinou um documento para que se aprovasse uma obra com ares revolucionários e de qualidade facilmente contestável a ser lida nas escolas. E ganhou uma porcentagem que mal nenhum fazia às contas públicas, oito porcento... Inspirando assim o ministro da saúde a fazer o mesmo, pois um riacho facilmente pode-se tornar em mar!!


“... O trabalho de um bom ministro, é de estar constantemente em missão. Como eu consegui, eu? Eu que vim ao posto como boletins zerados e duzentos mil vermelhos.Você conhecia minha conta: duzentos mil trezentos e sessenta e sete francos vermelhos. Eu que não vivia mais que nos francos vermelhos. Você conhecia minhas dificuldades quando o primo Bertanio se foi do Banco do Povo para o Desenvolvmento, quando eles deram sua vaga ao Belampire. Quando eu quase me suicidei, quando eu compreendi que mesmo o suicídio é para os corajosos, não para os covardes. Mas quando eu cheguei a descobrir. Questão de audácia e de fé. Por exemplo, um dia, um tipo veio me propor um manual para colocar no programa das escolas e institutos. Um verdadeiro trabalho de porco: um romance escrito por seu primo e onde havia odores revolucionários. Ele oferecia três porcento. Eu estirei o número à oito porcento. O cara não perdia nada porque, sendo ministro da cultura, ele tinha mandado imprimir o romance de seu primo com o dinheiro dos Negócios Culturais. Oito porcento em troca de uma simples assinatura. Eu recomendei o mercado da construção escolar. Você pode fazer o mesmo para os centros médico-sociais; deve-se construir e nós construimos sempre, porque essa atividade paga bem seu ministro. Enfim, ouse, e você verá como os pequenos riachos se transformam em grandes rios.
Em quatro anos, os pequenos riachos haviam se transformado em rios. O doutor começou a falar de pequenos riachos que podiam fazer mares. O doutor Tchi, como o chamavam na época,leva a vida dos VVVF (Villas,Veículos, Vinhos e Fêmeas), que nós chamávamos a vida com três V. Ele construiu quatro mansões, comprou um veículo para quatro belas fêmeas. Ele construi uma casa para duas amantes: era a época em que as mulheres se chamavam empresas e onde se falavam sem constrangimento de um nono ou décimo escritório. Ele viveu uma vida verdadeiramente ministerial.




Em quatro anos, os pequenos riachos haviam se transformado em rios. O doutor começou a falar de pequenos riachos que podiam fazer mares.

Ah! o eco do presente e a falta de explicações: como multiplicar riachos e chegar à oceanos?
20 vezes senhor chefe da Casa Civil? O senhor nos deve uma explicação. O "Guia Providencial" tem que te torturar até te matar para que você nos conte pouco a pouco seu passado e nos explique como você fez para "cansar os números"?

Palocci era tido como um bom interlocutor da economia (ele entendeu que o velho Lula de "contra tudo que esta aí" era uma imagem de risco para o Brasil e ajudou a transformar a figura do barbudo fazendo a "Carta aos brasileiros" pensando na estabilidade da moeda, pensou no combate à inflação), DSK também tinha o mais importante papel no FMI e era um forte candidato às presidenciais francesas, mas vivendo uma vida verdadeiramente ministerial, de mansões, carros, vinhos e mulheres caiu na dura justiça norte-americana. Se tivesse sido na França, previnem os franceses, ele não estaria nessa saia justa. E se Palocci estivesse no Japão? Estaríamos lendo sua carta de suicídio?

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