Os museus de arte africana da França parte 1


Na conferência de Berlim (1884-1885), as potências europeias recortaram cirurgicamente a África sub-saariana em espaços de dominação culrural e econômica. Nessa época, igualmente, se solidificam os estudos evolucionistas, que veem nessas populações um excelente viveiro de espécies humanas. A África se torna um objeto de estudo e sua cultura material é apreendida nesse sentido. Isso porque no fim do século XIX a Europa se tomava como modelo de civilização e assim justificava sua ideologia humanista, fazendo com que a pesquisa de campo fosse apenas mais um testemunho que aferia a verdade de seu pensamento.


No Brasil também tivemos nossos teóricos que, baseados nos estudos evolucionistas de Spencer [povos superiores (europeus) e inferiores (indígenas)] e Darwin (e o que chamamos de darwinismo social,) tentavam justificar alguns aspectos da sociedade brasileira a partir do conceito de raça e cultura. Um dos nomes mais marcantes foi o do baiano Nina Rodrigues, que como Franz Gall também utilizou o método de medir a cabeça dos africanos para mostrar que o cérebro deles era menor, ou mesmo o crítico literário Sílvio Romero. Quer dizer, no final do século XIX abundavam teorias sobre o evolucionismo social que marginalizavam o negro. Em seu Dicionário unviversal do século XIX Pierre Larousse discorre longamente sobre o artigo “Negro”, primeiramente abordando característics físicas, para em seguida discorrer sobre elementos culturais. Isso está na lógica do século que crê que a diversidade de características físicas gera as diferenças de ordem cultural.

O interesse destinado à arte dita primitiva e às primeiras coleções de etnografia respondem então à esse movimento ideológico da cultura dominante que engendra, por conseguinte, a dominação política e econômica que veremos na colonização africana. Edme François Jomard (1777-1862) escreve uma carta para justificar a criação de um museu de etinologia em Paris para que se possa traçar um quadro histórico do progresso dos povos selvagens até chegar-se ao estado social perfeccionado. Assim serão criados esses primeiros museus que serão apreciados nessa lógica e serão condição necessária para a justificativa das empreitadas europeias na África.
A arte africana é então interpretada como o estado primeiro da evolução, e por isso é considerada uma “arte primitiva”. Fazem parte de uma “arte da necessidade”, nascida do instinto e da espontaneidade e não de um pensamento de produção artística. O museu de Jomard é uma ilustração dessa ideia, pois ele classifica metodicamente os objetos em categorias propondo um quadro evolutivo das necessidades do homem: as necessidades elementares, comida e vestimenta, as necessidades intelectuais, arte, ciência e indústria, e as necessidades espirituais, religião e cultos. E qual não foi minha surpresa ao visitar o museu de arte africana de Lyon? Cada andar do prédio é dividido segundo essa lógica: Vida quotidiana, vida social e vida religiosa! Também não se pode pedir outra lógica, pois o museu foi criado em 1861 pelas Missões Africanas de Lyon. Não sei se desde o início o museu foi pensado desa maneira, mas de acordo com o que era feito na época, me parece que sim. Seu primeiro nome foi o de “Museu das curiosidades da África”. Mas apesar de tudo ele não deixa de ter seu valor. São mais de 2000 objetos expostos para mostrar as riquezas das culturas da África ocidental subsaariana.


Mas o que eu mais gostei foi o paralelo possível de fazer com a exposição de máscaras angolanas do Museu Dapper em Paris. O museu de Lyon não coleciona peças de Angola (que estava sob o domínio português), mas é possível ver quase as mesmas coisas nos dois museus, pois, artificialmente, as fronteiras foram criadas sem que isso implicasse em destruição de costumes. Por isso o que é feito ao sul do Congo ou da Rebública democrática do Congo evoca a arte do norte de Angola, por exemplo. Ver essas duas exposições permite ver os laços profundos que existem (ou existiram) entre diversos povos vizinhos.

As peças que mais gostei nos dois museus foram as máscaras, seguidas dos cedros e das cadeiras.
As máscaras são utilizadas em diversos ritos. Por exemplo no mukanda, onde os meninos são iniciados à vida adulta. Nesse caso as máscaras têm o papel de emissários do mundo dos ancestrais e fazem parte do processo de educação dos novatos em um campo no meio da floresta. Ali ocorre o rito da circuncisão e os garotos são preparados para a vida adulta. A máscara Chihongo, feita de madeira esculpida, é o arquétipo dos ancestrais masculinos e pode aparecer nos ritos de iniciação mukanda, por exemplo. É uma das máscaras mais bonitas da exposição. Outras máscaras também aprecem nesse rito.



Os cedros, sinal da autoridade, ficam na mão dos chefes em ocasiões solenes ou na mão de um de seus cortesãos nas cerimônias oficiais. São objetos pequenos, de aproximadamete 50cm de altura.Eles têm o alto esculpido, geralamente são figuras humanas, muitas vezes do sexo feminino e o penteado é algo importante nessas esculturas assim como nas máscaras! Muitas têm tranças, cabelos voumosos feitos com palha, ou são esculpidas na madeira. Vi também perucas, pois fazer o penteado a cada dia resulta trabalhoso, então muitas perucas estavam na exposição, mas não de cabelos, e sim de fibras naturais, muitas com missangas, como vemos nos penteados ainda no Brasil.






As cadeiras, ou os tronos, são muito baixos, o que dá a impressão que a pessoa está agachada no chão, ao invés de ter aquele trono enorme dos reis que conhecemos. Todos são bem ornados e esculpidos com motivos humanos. Na maioria deles, o encosto ou os pés são figuras femininas ilustrando a filiação matrilinear dos detentores do poder.


Outros objetos também ilustram o poder e o refinamento da corte, como armas, cachimbos e porta tabaco.

Ainda tenho muito que ver e aprender. Em um próximo post falarei das esculturas de orixás que vi nos dois museus e que está em sintonia fina com o Brasil.

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